A responsabilidade social e o setor de transporte, logística, armazenagem ou integração multimodal

A responsabilidade social e o setor de transporte, logística, armazenagem ou integração multimodal

25 de abril, 2022

Este artigo pretende abordar o conceito ESG para desacatar a responsabilidade social do setor de transporte exclusivamente no campo do social. Na sequência será escrito um outro artigo para tratar do aspecto ambiental, no qual serão discutidas as medidas que o setor pode tomar para reduzir a poluição da frota, fazer o reuso da água, adotar construções sustentáveis, além de outras atitudes em prol da preservação do meio ambiente. Depois num terceiro artigo será trabalhada a questão da governança do setor de transporte, ou seja, em que medida é possível que as empresas adotem práticas anti-corrupção, transparência fiscal e façam gestão de riscos por meio do compliance.      

A sociedade sempre evoliu e continua evoluindo, mas nos últimos 10 anos os avançou se intensificaram muito mais no sentido da tomada de consciência de que o setor privado possui responsabilidade e deve auxiliar o Estado no desenvolvimento da sociedade.

No Brasil a “caida de ficha” aconteceu com 34 anos de atraso, pois desde 1988 já está escrito no art. 3ª da Constituição Federal que são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos sem preconceitos.

O empresariado precisa definitivamente assimilar que a necessidade de buscar a concretização destes objetivos não é obrigação exclusiva do Estado, mas também da FIEP, FETRANSPAR, FECOOPAR, FAEP, ACP, FECOMÉRCIO e FACIAP, assim como de todos sindicatos, empresas e dos cidadãos.
É uma obrigação de toda a sociedade !      

Entretanto, muitos empresários paranaenses ignoram este fato e continuam administrando seus negócios da mesma forma como faziam no século passado, focando  apenas na obtenção de lucros para seus sócios sem se importar com a comunidade em que estão inseridos, sob o argumento que geram empregos e já pagam tributos.

Ora pagar tributos e cumprir as leis trabalhistas são obrigações naturais em qualquer sociedade e é o mínimo que se espera de qualquer empresa. No entanto, é preciso fazer mais numa sociedade em que se valoriza cada vez mais a cidadania e a importância com a justiça social.

Também vale destacar que a marca empresarial sempre foi importante e por isso a necessidade de preservá-la, mas agora ela se tornou o epicentro do negócio, pois se transformou na vitrine para o mercado das ações da empresa no campo social, ambiental e de governança. Logo, cada vez mais o setor de transporte é pressionado para que comprove práticas sustentáveis em sua operação.

Esta tendência do mercado decorre da implentação, pelas empresas, do conceito ESG, que significa environmental, social and governance, em portugues, “ambiental, social e governança”. O conceito ESG surgiu em 2004 em publicação do Banco Mundial em parceria com o Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU) e instituições financeiras de 9 países, chamada Who Cares Wins  (Ganha quem se importa) para que os bancos adotasem princípios de sustentabilidade no mercado de capitais.

A partir da publicação deste estudo as boas práticas passaram a definir as diretrizes da operação empresarial, incialmente dos bancos e depois se espalhou para os demais segmentos da economia mundial.

Larry Fink, CEO da Black Rock - maior fundo de investimento do mundo com 10 trilhões de dolares sob sua gestão em 2021, disse que “os fatores ESG estão se tornando cada vez mais dominantes, e não somente no que se refere à sustentabilidade, mas também sobre como as empresas evoluirão para se tornarem muito mais engajadas socialmente”. Apenas para comparar, segundo o IBGE, em 2021 o PIB do Brasil foi de 8,7 trilhões de reais.

É preciso que o empresário paranaense compreenda que aos poucos o novo capitalismo, chamado de “capitalismo consciente” está substituindo o velho capitalismo. Antes a empresa optava pelo lucro ou propósito, agora deve ter lucro, mas também buscar um propósito, ou seja, é necessita demonstrar ao mercado a causa pela qual existe.

Em 2016, a ONU propôs 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para que a humanidade pudesse contribuir com a redução da pobreza e a desigualdade e ainda tomasse medidas contra as mudanças climáticas. Portanto, a partir destas diretrizes o setor do transporte deve escolher quais destes objetivos mais se alinham para construção da sua estratégia de responsabilidade social dentro dos princípios ESG.  

Aceite ou não o empresário, hoje o negócio deve gerar valores para todo o ecossistema e não apenas render lucros para seus sócios. Cada vez existe menos espaço para o pensamento de que ganhadores e perdedores é um resultado natural das disfunções da sociedade, pois atualmente a ética empresarial exige um posicionamento das empresas diante dos desafios impostos pela realidade.

Outra mudança é que os negócios deixaram de ser autoconcentrados para se tornarem centrados em colaborar com a sociedade. A empresa melhor aceita pelo mercado é aquela que não apenas gera valor para o acionista, mas se preocupa em criar valor para o ecossistema, a partir de um impacto social positivo.

Caso a empresa adote uma correta estratégia sustentável, a consequência é que a médio prazo estas boas práticas sejam percebidas pelos clientes, colaboradores e pelo mercado em geral, demandando menores gasto em publicidade para manter ou até aumentar o faturamento.  

No livro “Empresas Humanizadas - Pessoas, propósito e performance” John Mackey e Raj Sisodia, demonstram que algumas empresas conseguiam manter alta reputação e fidelidade dos clientes sem grandes investimentos em publicidade e marketing. A conclusão é que estas empresas procuram maximizar seu valor para a sociedade como um todo, não exclusivamente para seus sócios.

Neste novo modelo de capitalismo, os líderes são responsáveis por servir ao propósito visando cultivar uma cultura consiente de cuidado com todos com quem a empresa se relaciona, desde funcionários, fornecedores e principalmente seus clientes. A empresa consciente procura implementar princípios e práticas para conectar todas as partes em prol do bem comum.

John Mackey e Raj Sisodia condensaram esta mudança de crítica ao capitalismo tradicional no livro “Capitalismo Consciente: Como Libertar o Espírito Heroico dos Negócios”, onde aplicaram quatro princípios: i) propósito maior; ii) integração dos stakeholders; iii) liderança consciente e iv) cultura e gestão conscientes.

Há diversas boas práticas em prol do “social” que podem ser implementadas pelas empresas do setor do transporte que desejam integrar o seleto grupo daquelas que cumprem os princípios da responsabilidade social ESG.

Focando apenas na letra “S” da sigla ESG, as empresas tem oportunidade melhorar o ambiente de trabalho e a relação com seus colaboradores: i) incentivar novas ideias de funcionários; ii) implementar a diversidade na contratação de funcionários como valor essencial; iii) investir em treinamento de colaboradores; iv) criar diretrizes contra assédio sexual e moral no ambiente do trabalho; v) recompensar talentos; vi) instituir gestão participativa e informar sobre o desempenho financeiro da empresa; vii) criar programa de participação nos lucros, viii) contratar menores aprendiz, além de outras ações.

As transportadoras ainda tem a oportunidade de impactar positivamente a comunidade em que estão inseridas: i) apoio financeiro e material para a associação de moradores, creches, casas de acolhimento de idosos, conselhos de segurança e etc; ii) “adoção” de uma praça ou espaço público próximo a empresa; iii) criação de um programa de voluntariado entre os funcionários para apoio a deterninada institução social; iv) criação de um projeto de reforma ou pintura de imóveis de pessoas carentes nas redondezas da empresa e etc.      

Para surpresa da maioria dos empresários, a cultura ESG não se destina apenas as grandes empresas, pois inclusive as microempresas e as empresas de pequeno porte podem adotar práticas sustentáveis no âmbito do meio ambiente, social e de governança. É verdade que na esfera federal apenas as empresas tributadas no lucro real podem acessar os incentivos fiscais, mas no âmbito estadual e municipal isso não ocontece.

No âmbito tributário, a legislação federal permite que as empresas do setor de transporte e logística, tributadas pelo lucro real, destinem 1 % do Imposto de Renda devido à Receita Federal do Brasil, para o Fundo da Criança e Adolescente (Nacional, Estadual, Distrital e Municipal) e 1 % para o Fundo da Pessoa Idosa (Nacional, Estadual, Distrital e Municipal). Logo, é a oportunidade de as empresas garantirem que parte do seu imposto permaneça no município onde estejam estabelecidas. Alerta-se que a empresa não terá ganho financeiro neste caso, pois acabará recolhendo o mesmo valor do IR ao Fisco, mas por outro lado se posiciona no mercado como empresa socialmente responsável.

A lei ainda autoriza que os diretores e funcionários das transportadoreas - contribuintes do Imposto de Renda - também destinem até 6 %  deste imposto para os referidos fundos, sendo 3 % até 31/12/2021 e depois 3 % na declaração completa do imposto, ou seja, até 30/04/2022.

O Imposto de Renda devido pode ser destinado em favor de projetos sociais mantidos por Organizações da Sociedade Civil na área da proteção da criança e adolescente, bem como de proteção dos direitos da pessoas idosa, devidamente cadastrados nos respectivos conselhos.

A legislação federal permite ainda outras possibilidades de destinação do IR para fomentar diversas atividades: ciência, tecnologia e inovação; saúde; assistência social, educação, segurança alimentar; preservação do meio ambiente; promoção do voluntariado; promoção da ética e da cidadania, direitos humanos e cidadania e etc.     

No âmbito estadual, alguns estados, a exemplo do Paraná, permitem que as empresas de transporte e logística, destinem parte do valor do ICMS devido para projetos esportivos pertencentes a atletas e Organizações da Sociedade Civil e inclusive Prefeitura, cadastrados pela Superintendência do Esporte.

Sabe-se que as transportadoras de mercadorias e bens em geral, prestam de serviços de logística, armazenagem ou integração multimodal, logo podem também praticar fato gerador do Imposto Sobre Serviços.

Assim, também na esfera municipal, há leis que autorizam Prefeituras a permitir que empresas sujeitas ao ISS, destinem parte deste imposto em favor de projetos culturais. Deste modo, a empresa incentiva em seu município peças teatrais, livros, vídeos, filmes, exposições, CDs, publicações que valorizam a história e as tradições do município, projetos de cursos, palestras, série de concertos e shows e ainda recebe em contrapartida o direito de veicular a sua marca a promoção do evento.

Caso em seu município a Prefeitura não esteja colocando em prática as leis de incentivo fiscal, existe a possibilidade de mudar essa realidade, por meio de um trabalho de assessoramento junto ao Poder Executivo e o Poder Legislativo para que passem a existir a possibilidade de que empresas destinem parte dos seus impostos em prol das atividades sociais.   

Conforme ficou demonstrado, a ideia central é que a empresa ou a pessoa física escolham onde o dinheiro será aplicado, apoiando projetos sociais. Portanto, a essência da destinação dos impostos, permite que o contribuinte seja equiparado ao parlamentar que destina recursos públicos por meio de emenda parlamentar.

Analisando a missão institucional da FETRANSPAR, verifica-se que deve fortalecer o setor de transporte de cargas rodoviário paranaense, bem como que possui o objetivo social a defesa dos direitos de seus filiados na busca do permanente do desenvolvimento econômico e social do País e da melhoria da qualidade de vida do seu povo. Deste modo, está dentro de suas atribuições o fomento de seus associados para que adotem práticas de responsabilidade social em busca de uma sociedade mais justa.

Por isso, é importante que a SETCEPAR, SEGUIPAR e todos os demais sindicatos da base, a FETRANSPAR e também a CNT, apoiem projetos de ESG e também fomente eventos que tenham por finalidade demonstrar aos seus filiados as possibilidades de utilização das leis de incentivo fiscal na redução das desigualdades sociais, na promoção da cultura, do esporte, educação e na proteção dos direitos da criança e idosos, pois todos ganham.            

Diante do exposto, antes que a cultura ESG atropele o seu negócio, antecipe-se e tome consiência da necessidade de procurar profissionais que possam lhe ajudar a se tornar uma empresa socialmente responsável. Acredite que este tema é bem mais complexo do que parece, por isso a equipe interna da empresa tem dificuldade de adotar um bom plano e estratégia ESG.

Juliano Lirani, atuante em Curitiba, Advogado, Sócio do Escritório Lirani & Ribas – Advogado, pós gratuado em Direito Tributário e Mestre em Direito pela Unibrasil.   

Ex Julgador do Administrativo de Recursos Fiscais - CARF junto ao Ministério da Fazenda; Ex Julgador do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Paraná - CCRF, Ex Julgador da Junta de Julgamento do Município de Curitiba, professor do curso de Direito Tributário da Academia Brasileira de Direito Constitucional.

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