PEC dos combustíveis tem efeito mínimo a custo muito alto, dizem economistas

PEC dos combustíveis tem efeito mínimo a custo muito alto, dizem economistas

02 de fevereiro, 2022

A proposta de emenda à Constituição (PEC) que o governo prepara para tentar amenizar as sucessivas altas nos preços dos combustíveis tem um efeito mínimo a um custo fiscal muito alto, na avaliação de economistas. O texto, que deve ser apresentado pela liderança do governo no Senado nesta semana, prevê a autorização para o corte de impostos sem a necessidade de compensação, conforme determina a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

“Em termos de redução do custo para o consumidor, seria algo muito pequeno”, diz Tiago Sbardelotto, auditor federal de Finanças e Controle licenciado da Secretaria do Tesouro Nacional e economista da XP Investimentos. “O próprio governo estima algo em torno de 18 a 20 centavos. Esse pequeno repasse, que pode até mesmo ser sobreposto pelo aumento no preço do petróleo, que continua subindo no mercado internacional, tem um custo fiscal muito elevado.”

Caso o governo zere PIS e Cofins da gasolina, óleo diesel e energia elétrica, a renúncia fiscal chegaria a R$ 65 bilhões apenas em 2022, segundo estimativa da XP. A cifra é equivalente a 17,5% de todas as renúncias previstas pela Receita Federal para o ano, que somam R$ 371 bilhões. O impacto na inflação anual seria em torno de um ponto porcentual, de acordo com os cálculos – o ponto médio das expectativas do mercado financeiro para o IPCA em 2022 é de 5,38%.

Segundo afirmou o presidente Jair Bolsonaro, a proposta também deve autorizar estados a reduzir o ICMS sobre combustíveis sem contrapartida, o que pressiona governadores a seguirem o mesmo caminho. Em um cenário extremo, caso todos estados zerassem o tributo sem compensar a receita, o impacto fiscal chegaria a R$ 237 bilhões.

"Preço" do corte de impostos será cobrado no futuro
“Esse custo fiscal vai ter que ser pago em algum momento, porque a gente está em um país com déficit primário, ou seja, estamos nos endividando para pagar despesas. Como essa conta vai ser paga no futuro? Ou eu vou ter que aumentar outro imposto para poder cobrir, ou vou ter de voltar a aumentar PIS/Cofins de combustíveis, e aí todo o ganho de inflação que eu tive no curto prazo, vou perder lá na frente, e ainda com um custo maior, porque terei acumulado dívida nesse período”, explica Sbardelotto.
m nota, a Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) classificou a PEC como “ação meramente eleitoreira e sem objetivo real de solucionar o elevado preço dos combustíveis no país”. “Além de burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal, o governo federal atenta contra as finanças estaduais e municipais, provocando expressiva redução na arrecadação do ICMS e afetando gravemente a capacidade dos entes subnacionais de atenderem até as necessidades mais básicas da população”, declarou a entidade.

O economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, considera a PEC como “economicamente ruim”. “Quando se fala em benefício econômico, a gente está falando de algo que envolve o longo prazo. E a medida é ‘curtoprazista’, o que significa que gera um alívio imediato e uma piora lá na frente”, diz. “E, se o preço do petróleo subir, pode não haver alívio nenhum. É uma PEC que flerta muito com a irresponsabilidade fiscal.”

Justamente em razão do alto custo fiscal, o ministro da Economia, Paulo Guedes, quer que a desoneração ocorra apenas para o óleo diesel, deixando de fora gasolina e etanol. Originalmente, também seria proposta a criação de um fundo de estabilização para os preços dos combustíveis na PEC, mas a medida teria sido descartada a pedido de Guedes.

Nesse caso, o impacto, nos cálculos da XP, cairia para R$ 20 bilhões para a União. Para os governo estaduais, caso houvesse a isenção do ICMS do óleo diesel, o custo ficaria em R$ 45 bilhões. Apesar de o efeito ser reduzido, a dinâmica, em longo prazo, seria a mesma, segundo Sbardelotto. “Deixamos de arrecadar, e em algum momento vamos ter de compensar.”


Os combustíveis foram os vilões da inflação em 2021. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a gasolina registrou aumento médio de 47,49% nas bombas, enquanto o diesel ficou 46,04% mais caro. Em 2022, a Petrobras já anunciou novos reajustes, de 4,85% na gasolina e de 8% no óleo diesel.

No mais recente levantamento da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), divulgado na última sexta-feira (28), pela primeira vez o preço da gasolina foi encontrado acima de R$ 8, em um posto na cidade de Angra dos Reis (RJ).

Congresso discute outros dois projetos para controlar preços dos combustíveis
Além da PEC que o governo pretende apresentar, outros projetos no Congresso têm o objetivo de controlar os preços de combustíveis, como o que altera a fórmula de cobrança do ICMS, aprovado na Câmara dos Deputados no ano passado, e o que muda as política de preços da Petrobras, que tramita no Senado.

Para Sbardelotto, o projeto que altera as regras do imposto estadual sobre combustíveis é o que teria mais impacto no longo prazo.

O texto prevê que o imposto estadual seja recolhido sobre um valor fixo, em reais por litro, e tendo como base o valor médio da gasolina e do diesel nos últimos dois anos. Hoje o tributo incide como um porcentual, definido em cada estado, e sobre uma cotação dos 15 dias anteriores, o chamado preço médio ponderado ao consumidor final (PMPF). “Não vai resolver o nível de preços, mas vai reduzir a volatilidade, o que é algo importante”, avalia o economista da XP.

Para Étore Sanchez, da Ativa, as propostas na mesa atacam o alvo errado. “A gente está discutindo um imposto que é um percentual de algo que cresceu, e não o algo que cresceu”, diz. “O preço do petróleo subiu. O que o Brasil tem de poder nessa equação? O câmbio. Mas o país deixou de surfar um câmbio melhor no ano passado porque entrou em um processo de deterioração fiscal, com a PEC de precatórios, por exemplo.”

Por Célio Yano
Foto: Clauber Cleber Caetano/PR

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Tags: #pecdoscombustíveis

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