GP - Por que a privatização da Petrobras não é garantia de combustível mais barato

GP - Por que a privatização da Petrobras não é garantia de combustível mais barato

29 de novembro, 2021

Defendida de forma reiterada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nas últimas semanas, uma eventual privatização da Petrobras não apenas não ajudaria a baratear a gasolina e o óleo diesel como poderia levar a um aumento nos preços, de acordo analistas no setor.

A principal razão é que, com o controle estatal, a companhia ainda é capaz de absorver alguma volatilidade do valor do petróleo no mercado global e praticar preços abaixo da paridade internacional. É o que tem ocorrido nos últimos meses, segundo especialistas e concorrentes. Eles dizem que, apesar dos seguidos reajustes nas refinarias, a petroleira ainda não repassou ao mercado interno todo o aumento ocorrido no mercado do petróleo.

A esperada redução de preços dos combustíveis depende muito mais de outros fatores, como o fim do domínio da empresa no mercado de combustíveis – que dificulta a participação de empresas totalmente privadas, limitando a competição – e de mudanças na tributação.

Bolsonaro citou nesta terça-feira (23) uma outra possibilidade, tida como intervencionista por investidores: rever a política de preço de paridade de importação (PPI), que a empresa passou a seguir em 2016, no governo de Michel Temer.

Apesar do PPI, a Petrobras não aplica imediatamente todas as flutuações na cotação do barril do petróleo. Desde setembro de 2018, depois da greve dos caminhoneiros, as atualizações nos valores dos derivados praticados pelas refinarias deixaram de ocorrer na frequência quase diária como até então, passando a ser mais espaçadas.

Em 2021, foram 15 aumentos na gasolina e 12 no diesel, embora o preço do petróleo varie diariamente no mercado internacional. A Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom) diz que, após a última atualização anunciada pela Petrobras, o valor da gasolina no mercado interno ficou 7% abaixo do praticado no exterior. Para o diesel, a defasagem é de 9%, segundo a entidade.

A Ativa Investimentos calcula uma diferença ainda maior para a gasolina – 17%. “A Petrobras tenta diferenciar movimentos conjunturais dos estruturais, e temos visto na nossa modelagem que, tanto para o diesel quanto para a gasolina, existe uma diferença de preços”, explica o economista Ilan Arbetman, analista de petróleo e gás da corretora.

“Digamos que a empresa fosse privatizada hoje: dificilmente a gente veria uma companhia de mercado absorvendo essa diferença. Se o objetivo é pensar em preços mais baixos na ponta, a verdade é que existem mecanismos muito mais inteligentes para se fazer isso”, afirma.

Para ele, no entanto, é fundamental que a Petrobras mantenha a PPI como forma de garantir segurança à operação da empresa. “É só ver as finanças da companhia em 2015 e 2016, quando foi feito o represamento de preços. Não há dúvida de que quando se lida com uma atividade internacional, que tem custos e a necessidade de se alavancar um posicionamento estratégico, faz-se necessário seguir uma órbita que é global”, afirma.

Conrado Magalhães, da Guide Investimentos, ressalta que a dinâmica de preços não tem necessariamente relação com o fato de a companhia estar sob controle estatal. Portanto, o repasse do controle a um acionista privado não teria o condão de baratear o combustível.

“Com o que está ocorrendo agora em relação à reabertura econômica pós-pandemia e o preço do barril subindo lá fora, [a venda do controle da empresa] não resolveria. A dinâmica que está elevando os preços não seria diferente com uma Petrobras privatizada”, diz o analista.

Na terça-feira, em entrevista à TV Jovem Pan, o presidente da Petrobras, Joaquim Silva e Luna, disse que a eventual privatização da empresa mudaria pouco suas operações, pois na visão dele o sistema de governança e conformidade da empresa dificilmente seria alterado.

"A modificação disso seria a redução daquilo que ela [União] recebe de dividendos e royalties, porque em termos de como ela trabalha a diferença é muito pequena", disse Silva e Luna. "Ser uma empresa privada ou estatal, como ela funciona hoje, a diferença é muito pequena".

Instituto ligado a petroleiros crítica venda de ativos e aumento da importação

O diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), William Nozaki, defende que o Brasil, como grande produtor e explorador de petróleo, sobretudo a partir do pré-sal, precisa de instrumentos públicos para organizar toda a cadeia e abastecimento do país. O Ineep é ligado à Federação Única dos Petroleiros (FUP).

“Não só a venda da Petrobras não ajudaria a diminuir os preços, como eu vou além: os desinvestimentos que a empresa vem realizando estão diretamente relacionados à alta dos preços dos combustíveis que a gente vem assistindo no Brasil”, afirma.

Ele se refere à decisão tomada pela estatal em 2015 de reduzir o portifólio de ativos para concentrar a estratégia da empresa na exploração e produção de petróleo em águas profundas. Desde então, a estatal deixou ou diminuiu a participação nos segmentos de distribuição de combustível, energia renovável, gás natural, petroquímica e fertilizantes e anunciou, em acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a venda de oito de suas 13 refinarias.

Para viabilizar a operação, a Petrobras reduziu a carga de processamento das unidades. O fator de utilização das refinarias (FUT) caiu de 94% em 2014 para 76% em 2018, segundo relatórios de produção e vendas da companhia. “Nós passamos a importar mais derivados, sem que precisássemos”, diz Nozaki. “Isso significou a abertura do mercado nacional para a entrada de um número muito expressivo de importadores, o que trouxe a pressão para a operação da PPI”.

Das oito unidades de refino colocadas no mercado, três tiveram contrato de venda assinado até agora: a Isaac Sabá (Reman), no Amazonas, a Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, e a Superintendência da Industrialização do Visto (SIX), no Paraná.

“Os gestores do fundo árabe Mubadala, que comprou a Rlam, sinalizam que a refinaria vai ser destinada à produção de bunker oil [combustível para navio]. É um ativo que tem tido alta rentabilidade no mercado internacional, sobretudo neste momento de saída da pandemia e de retomada das atividades econômicas”, afirma o diretor do Ineep.

“Ou seja, em vez de produzir gasolina, diesel, GLP e outros insumos para abastecer o mercado interno, a unidade vai produzir bunker oil para exportação, o que traz mais insegurança sobre o abastecimento nacional de derivados”, diz.

Fonte: Gazeta do Povo Foto: Agência Petrobras

 

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